sexta-feira, 4 de setembro de 2009

KAXAMBAH - O CAMINHEIRO DOS PÉS SUAVES

K A X A M B A H

O CAMINHEIRO DOS PÉS SUAVES.

A.Couto de Andrade

Aos meus filhos

Kleber,

Kellen,

Karen,

Ariane e à minha esposa

M a r y ,

"Oh! quão bom e

quão suave é que os irmãos vivam em

união", Salmo 133:1.



PARTE 1

De como conheci o KAXAMBAH ao

matricular, por um ano letivo,

um sobrinho seu na Escola Rural

em que eu era o professor e

acabei foi me matriculando na

Escola dele por toda a vida.

Parábola do KAXAMBAH

Que a rosa

é bela, é verdade!

Que a rosa

é efêmera, é verdade!

Que a rosa

tem espinhos, é verdade!

Que a rosa

exala perfume, é verdade!

Que a rosa

não fere a gente,

quem se fere

na rosa, é a gente,

é a mais pura verdade!

Mesmo assim,

ainda resta

aquela beleza

e aquele perfume!

Mas ...

a rosa,

é uma rosa ...

uma rosa...

Não é que a vida

é bem assim,

no todo, todinho enfim

com a rosa, parecida?

Esta história é verdadeira. Verdadeira e, pelo menos para mim, muito prática.Não entendi isto quando conheci o velho Kaxambah, lá pelos idos de 1958. Dei tudo aquilo inicialmente como curiosidade, como excentricidade. O certo, porém, é que a imagem do velho Kaxambah nunca mais se ausentou de mim, estivesse eu consciente disto ou não.

Vejo, hoje, que muitas das consoladoras e estimulantes conversas que tive com outras pessoas, em que saímos crescidos e com nova compreensão da vida, não passavam de projeção daquilo que me transmitira Kaxambah. Não foram poucas as vezes que eu me servi de suas ilustrações, de suas analogias, querendo ou não. Elas afloravam em minha mente sem que eu percebesse e tem muita gente vivendo bem, por aí, graças àquele encontro providencial meu com o Kaxambah. Só hoje sei disto.

Ele usava a figura da rosa como o seu prisma, seu ponto de referência. A rosa, sempre a rosa. O que ele fazia era variar as abordagens, mas,no fundo, no fundo mesmo, sobressaia a sua parábola da rosa.

Que a rosa é bela,

é verdade!

Que a rosa é efêmera,

é verdade!

Que a rosa tem espinhos,

é verdade!

Que a rosa exala perfume,

é verdade!

Que a rosa

não fere a gente,

quem se fere

na rosa

é a gente,

é a mais pura verdade!

ainda resta

aquela beleza

e aquele perfume!

Mas...

A rosa,

é uma rosa,

uma rosa...

Não é que a vida

é bem assim,

no todo, todinho enfim

com a rosa, parecida?

Não me esqueço da primeira vez que me lembrei do velho Kaxambah. Lembrei-me dele com uma certa timidez e não tinha certeza alguma de que sua parábola pudesse auxiliar alguém, principalmente consolar jovens com problemas amorosos.

Ah! o amor...quantos riman-no com dor! ...A jovem era minha colega de classe e estava desolada. Vinha namorando um rapaz há algum tempo. Estava confiante de que ele ira desposá-la.De repente lá se foram os sonhos.O mundo pareceu vir-lhe abaixo. Suas esperanças se foram. E foi justamente nessa oportunidade que me lembrei do velho Kaxambah, do que ele dizia sobre o amor e sua inesquecível rosa.

Há poetas que comparam o amor a uma flor, linda no seu desabrochar, mas uma vez colhida, logo murcha, dizia o velho Kaxambah. A verdade, porém, para ele, não era esta. O amor, no seu entender, não é como a flor. A flor é apenas o resultado do amor. É ele que leva a gente a perceber a beleza da flor. Quantos e quantos passam pelo jardim da vida e não percebem flor alguma? Ah! quanto a gente ama, como jardim da existência fica florido! Não é verdade?

Então dizia o velho Kaxambah - e foi o que passei à moça, apenas isto - quando uma jovem perde um namorado em que depositava o seu amor, embora pareça difícil, deve é alegrar-se. Com a perda, que é apenas aparente, deve ela lembrar-se de que foi capaz de amar. É o acontecimento mais importante na vida de uma pessoa, - descobrir que é capaz de amar... O rapaz era o alvo daquele amor, mas era ela quem amava. Quem se descobre amando, descobre um tesouro. Descobre o segredo do universos,a maior força jamais existente. É por isso que não se pode identificar o amor com a flor,com a rosa.A rosa é o efeito do amor. É o alvo - do amor. E nesse sentido que o amor é universal. Eu amo. Maria é o alvo de meu amor. Se a Maria se vai, nem por isso eu deixo de amar. O amor está em mim. Foi de mim para Maria. Ela recebia o meu amor. Não quis receber mais. Vou continuar amando. Não tardará e alguém entrará, novamente, no foco de meu amor. Aí... nem É necessário continuar... Não é bem assim a roseira? Ela produz a rosa. Linda, linda. Vem alguém e apanha aquela flor. A roseira sente. É claro que sente a perda da aquela flor. Logo, no entanto, se refaz. Então se desdobrará para produzir outra rosa mais bela ainda. Era assim que dizia o velho Kaxambah. E foi somente isto que eu disse à minha jovem amiga. Foi o suficiente. Não passou muito tempo, para surpresa minha, fui convidado para o seu casamento. Alguém entrara no foco de seu amor. Entenderam-se e são felizes. Diria os contos de fadas... e foram felizes para sempre.

Recordo-me que algum tempo mais tarde, eu me questionei quanto a duração do amor.Todavia eu me lembrei de que O Kaxambah tinha sua explicação para isto também. O pensamento do poeta Vinicius de Maraes, que vim conhecer bem depois de que ele é infinito enquanto dura,veio a perpassar pela minha mente. Mas lembrei-me que o Kaxambah dizia, peremptório, que o amor é eterno. E fixei para mim. Infinito, para o poeta, eterno para Kaxambah.É questão de descobrí-lo. E me recordava que ele dizia, assim, numa afirmação solene, como se estivesse fazendo a mais profunda das orações, num ato de respeito que contagiava qualquer um e não deixava margem alguma de dúvida: Deus é amor.

Eu era um jovem professor recém formado. Estava lecionando numa Escola Rural da Prefeitura de Uberlândia, quando ele me apareceu, no início do ano letivo, um velho acompanhado de um menino. Fora procurar-me para matricular o menino e dizia estar de passagem. Ficaria ali durante o período escolar e depois partiria para outras bandas. Como parecia um lavrador,por causa de suas roupas, das sandálias que calçava e da mala que carregava, dei o caso por normal. Matriculei o filho... bem o menino e fui continuar a aula. Depois da aula, verifique que o velho estava me esperando. Não pude perceber bem o que ele queria. Até cheguei a me desgostar com a presença dele ali, depois daquele dia de aula numa Escola Rural. É que numa escola assim, naquele tempo, o professor dava, ao mesmo tempo, aula para mais de uma turma. Há alunos de várias séries na mesma sala e o professor os atende ao mesmo tempo. Isto era cansativo. É mais cansativo do que uma aula normal. A presença do velho era, pois, incômoda. Ele, porém, de uma forma delicada, como se estivesse previsto que sua abordagem, naquele momento, pudesse ser inoportuna e poderia ser tomada, por mim, como um transtorno, foi me envolvendo até conseguir quebrar a minha resistência. Não precisou rodear muito, logo conquistou a minha simpatia e conseguiu despertar o meu interesse por ele e para o que tinha em mente. Havia nele alguma coisa diferente, um elã que não notara inicialmente. Possivelmente, por isso, passei a reparar um pouco mais em suas roupas, em suas sandálias, em sua mala na maneira respeitosa com o que o menino o tratava.

- O moço que me perdoe...

- Perdoar o que?

- É a gente estar aqui ainda...

- O Senhor precisa de mais alguma ...

- Bem... pode me chamar de Kaxambah. Não precisa me dizer Senhor, não.

- Bom, mas o Senhor é idoso e devo respeito às pessoas mais idosas... - É, a gente deve respeito, mas é a gente. Só depois é que passa ao respeito dos outros...

- Não entendi!

- O moço que me perdoe...

- ...!...?

- O moço pode me dispensar um momentinho, não pode?

Naquela altura eu já estava desarmado. A linguagem do velho era correta, respeitosa e tinha um quê de sabedoria,sem afetação. Não. Ele demonstrava uma dignidade que não era comum numa pessoa que vivia de um lugar para outro e que não tinha algum haver. A pessoa que tem poucas posses, às vezes, chega a ser de uma humildade irritante. Ele não. Parecia muito sobranceiro para a pobreza que demonstrava. Suas sandália eram de couro de vaca, com tiras no meio do dedo, semelhante às sandálias havaianas de hoje. As duas tiras eram unidas por uma peça de madeira bem trabalhada, como se fosse um botão, na forma de uma rosa,ou melhor de um botão de rosa, feito à mão. Pude reparar que suas roupas, se bem que velhas, estavam limpas, a mala também fora trabalhada. Não era uma peça comum, tinha o formato normal, mas era de couro, bem costurada e amarrada com correias de couro, em que apareciam, novamente, botões de madeira no formato de rosa. Observando isto, corri os olhos sobre o cinturão e pude constatar o mesmo. Ali estava, prendendo as duas partes do cinturão de couro trançado à mão, o botão de madeira, no formato de rosa. Nisso havia excentricidade.

- Deveras, eu não trouxe só o menino. Eu vim também.

- O que o Senhor está querendo se matricular?

-Bem! Não é bem isto não...

- É...

- Sei. Sei que o moço não está preparado. Mas não se assuste não. É só dar um tempinho e tudo será entendido.

- Como?

- Bom, o menino precisa de mim. Eu preciso do menino e, por certo, possa arrumar um modo da escola...

- Arrumar um modo...

- Sim, arrumar um modo pelo qual a Escola venha precisar de mim.

- A Escola precisar do Senhor?

- Bem, bem, do jeito que ela está, ela não precisa de mim. Mas pode precisar se...

Fiquei encabulado. Tudo já fora previsto pela Prefeitura. Havia um planejamento. A escola já funcionara nos outros anos do mesmo jeito. Não tinha havido inovação alguma. O inspetor escolar, Professor Jerominho Arantes, estava satisfeito com o meu trabalho e com o das outras professoras que colocara sobre a minha coordenação.E o seu ordenado... haveria problema...haveria...

- Se... o moço que perdoe, eu preciso de um pouquinho mais de tempo para explicar...

- Tudo bem, Mas...

- Sim. O que conta é que meu menino já está matriculado. Eu quero pagar o estudo dele...

- A escola é da Prefeitura e não se cobra nada. Até caderno e livros a Escola dá...

- Mas não dá alimento e .

- Os alunos já vem de casa alimentados

- Morando tão longe e uns, filhos de diaristas!

- Onde é que se vai conseguir recurso para alimentar tantos alunos?

- Com eles mesmos.

- Como?

- Com eles mesmos. E para o bem deles. Que a Escola não é coisa só de livros não.

Fiquei atônito. O velho tinha me envolvido. Tinha conquistado o meu interesse e estava ali, agora, me surpreendendo.

A verdade é que ele acabou por me propor fazer uma horta escolar e ensinar aos meninos rudimentos de jardinagem, de reflorestamento, de aproveitamento das várzeas, do cerrado, do esgotamento dos brejos, e fazer cerâmica e recuperar certas artes artesanais que estavam em vias de desaparecer nas imediações da cidade, o que já estava acontecendo por ali. Claro que fiquei sem fôlego e mais ainda, com a proposta do velho.

- Com tudo isto, o moço não tem que preocupar-se com pagamento não. Num tempinho eu vou me pagar no que tem de momento, e o pagamento maior eu receberei no de depois, em sempre.

- Não entendi.

- É. Neste particular, a gente vai ter que conversar mais. Por agora, vou dizer ao moço que o dinheiro é o de menos. Ele é muito importante como meio, mas não é assim de modo importante para o que eu preciso. Esta é a vantagem da vida no campo. As necessidades são as que a gente cria e não as que os outros criam para a gente...

- Contínuo sem entender...

- Que o moço me perdoe, se adiantei muito. Eu tinha dito que a gente tinha que conversar um pouquinho mais e acabei avançando...

- Não quero ser indelicado, mas...

- Que nada. O moço está sendo delicado demais. Está me ouvindo. Já concordou comigo e já nos entendemos. Agora só os pequenos particulares.

- ...!...?

De repente fiquei sabendo, pelo próprio velho que já tinha concordado com ele, que já havia entendido e que agora só dependia dos particulares. Sem dúvida eu fora inteiramente envolvido.

- Que particulares?

- De primeiro, só preciso um lugar para passar a noite, que está quase chegando. O sol está dobrando o morro e não demora muito a primeira estrela vai aparecer.

- E jantar?

- Não precisa. Eu e o menino já temos nossa matula que estava de calculado.

- De calculado?

- Oh! que o moço me perdoe, mas o que estou aqui fazendo não é de improviso não. Já foi de cálculo pensado e de visão de vista de algum tempo.

- De visão de vista?

- É verdade. De visão de vista. Vai levar um tempinho para o moço entender. Mas o caso é que primeiro as idéias vão se formando na cabeça da gente. Numa forma assim, de uma vez não. A gente pensa, se informa, torna a pensar, torna a se informar e as idéias vão amadurecendo. Quando ficam prontas, a gente já tem um quadro da situação. Com o quadro pronto é só fechar os olhos.

- Só fechar os olhos

- Só fechar os olhos e não por dúvida nenhuma. A visão, de trás para frente, de frente para trás. Com esta visão de vista, é só esperar um tempinho de nada para tudo acontecer. E fique sabendo o moço, se é que o moço com os estudos que tem, não sabe, que de tudo que tem uma visão assim no plano da realidade.

- ... no plano da realidade!

Tinha que ser irônico. Não podia deixar de ser irônico naquele momento. Ele percebeu.

- É. Quem ainda não entende destas coisas, tem mesmo dificuldade de compreender. Mas o moço vai ter tempo de meditar e poderá concluir sobre a verdade que estou vivendo agora.

Falou delicadamente e demonstrando muita compreensão.

- O senhor pode me dar um exemplo?

- Que o moço me perdoe. Não quero me fazer de homem de leitura não. Mas o moço deve se lembrar das idéias que os homens tinha no passado e que, por força de que não havia meio ainda de realizar as tais idéias, eles acabavam por perpetuá-las numa lenda, numa história tipo mitológica sobre o assunto. Durante muito tempo, tudo fica como se não fosse coisa séria. Assim como a visão de voar.

- Visão...

- O homem sabia desde os primeiros tempos que ele seria capaz de voar um dia. Não faltou quem sonhasse voando. surgiu a lenda do homem que voava, que tentou voar...

- A de Ícaro?

- Sim, como a de Ícaro. Não faltou quem dissesse que bem feito o sol ter derretido a cera das asas dele, onde já viu o homem querer fazer aquilo para o que não foi criado? Mas isso não era a verdade. A verdade era que o Ícaro, já que o moço usou a lembrança dele, representava a idéia que foi passando de uns para os outros e que era um desejo dos mais fortes no coração do homem. Apesar do temor do desconhecido, o homem foi perseguindo durante todo tempo, o sonho de voar. E aí não está o Sputinik...

- O Sputinik...

- A visão de vista do homem voando... já, já vai levar o homem para fora da Terra e sabe lá onde mais ele vai...

Decididamente eu estava diante de alguém que não era só um conversador. Hoje eu sei que, na verdade, era eu que estava me matriculando em sua Escola e não ele na minha. Isto é, o menino dele, na minha

- O Sputinik é apenas um satélite...

- E artificial. Não dou muito tempo e o homem logo vai estar num deles. Depois até na lua e avançando sempre mais e mais.

É, eu não podia medir com o Kaxambah. Arranjei lugar para ele dormir e, por mais que insistisse com a janta, não consegui convencê-lo a me acompanhar.

Naquela noite ainda, ouvi, sim ouvi, alguns sons saindo de um violão. Era dele. Estava, no entanto, apenas afinando.

-o-

" A gente não ensina nada a ninguém,

o que a gente faz é ir descobrindo os

conhecimentos que estão bem aí,

e quem sabe, no mais das vezes,

já estão dentro da gente mesmo"

Kaxambah.

-o-

O meu dia seguinte não foi menos surpreendente que o anterior. Agora a minha atenção estava concentrada no menino. Seu nome era Rosalvo. Claro, tinha que ter alguma coisa com rosa. Fique sabendo que tal fato era mera coincidência. Não fora o Kaxambah que dera o nome ao menino. E ele nem era seu filho. Era um sobrinho. Filho de uma irmã de que morrera no parto. O menino sobrevivera. Kaxambah só ficara sabendo disso uns tempos depois, andando que estava pelo mundão de Deus. Numa de suas visitas à família, ficou sabendo da morte, da morte da irmã e como o pai tinha outros filhos e os espalhara entre os membros da família, Kaxambah pediu o Rosalvo e acabou ficando com ele. Era agora o seu companheiro de viagem. Tinha uns três anos na companhia de Kaxambah. Pelo visto, passaria aquele ano na Escola, ali comigo e quem sabe, para onde iria depois!

- Bom dia professor!

- Bom dia Rosalvo. Como vocês passaram a noite?

- Oh! Professor, bem. Papai me pos naquela cama do médico e dormiu na cadeira do dentista.

- Seu pai?

- Bem, ele não é meu pai. É meu tio, irmão de minha mãe, mas é ele quem me cria.Observei as frases bem construídas do menino e, como no dia anterior, não tive tempo de fazer um teste com ele, decidi que era hora do teste. Qual não foi a minha surpresa. O menino tinha habilitação para o quarto ano primário. Eu tinha na minha classe até o terceiro ano e, agora, tinha um aluno de quarto ano. Ele me explicou que estava estudando com o pai e que a parada deles ali, era para terminar o quarto ano e tirar o diploma. Foi aí que fiquei sabendo que estavam ali por recomendação do Professor Jerominho Arantes, o Inspetor Escolar da Prefeitura e que me tinha em grande conta. Rosalvo me explicou que aquele professor havia recomendado a minha Escola, porque eu teria mais facilidade de compreender o seu pai e aproveitar bem o tempo que ele passasse ali. Disse também que se fosse necessário, ele conversaria com o Vice-Prefeito Toninho Rezende ou com o Evandro Péricles Goulart, secretário do Prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha e conseguiria, com um deles, emprego para seu pai. Mas que o pai havia agradecido. Ele não queria emprego algum oficial.

Ele estava bem empregado. O emprego dele era muito bom e que lhe bastava.

É claro que fiquei com algumas interrogações sobre a idéia de emprego. Fiquei, porém, descansado ao saber que os dois estavam ali por recomendação do poeta Dalbas Júnior, ou seja, do Professor Jerônimo Arantes, historiador da cidade de Uberlândia, colecionador dos documentos históricos da cidade, autor do hino à Escola Rural e que ficara muito amigo meu por saber de meu gosto pela literatura, desconfiando, talvez, de minha vontade de escrever. Deixe-me adiantar um pouco mais sobre o professor. Muito tempo depois ele escreveu uma pequena biografia minha, com o título de"Epopéia de Um Moço Pobre". Aliás, nossos caminhos se estreitaram muito mais depois. Já para o fim da sua vida, assistíamos juntos, lado alado, aos cultos na Igreja Presbiteriana Central de Uberlândia e, como advogado, fui escolhido pela família dele, para fazer o seu inventário.

Bem, mas eu não sabia nada disso quando recebi, em minha Escola, lá na Fazenda Escola do Rio das Pedras, o Kaxambah e seu filho Rosalvo.

As aulas eram depois do almoço para que os alunos pudessem ajudar os pais no campo, aproveitando a parte mais fresca do dia. Por isso, pude passar a manhã inteira fazendo o teste com o Rosalvo. O resultado era que ele já tinha todos os conhecimentos básicos, precisaria apenas do tempo regulamentar para justificar o recebimento do diploma e com isso ter sua vida escolar regularizada. Na verdade, ao invés de um aluno,o que estava ganhando era um auxiliar em minha sala de aula. E foi justamente isto que veio a acontecer. Um auxiliar não, dois. O pai dele também passou a me ajudar. Se bem que nunca entrou pessoalmente na minha sala ou nas salas de minhas colegas. O fato é que Kaxambah ganhou a confiança dos alunos, discutia com eles matérias escolares, auxiliava-os nos deveres e contribuiu, de maneira notável, para o bom desempenho de todos os alunos, naquele ano de 1958. Mas quem aprendeu mais - só hoje sei - fui eu mesmo. E como!...

- Que o professor me perdoe...

- Como vai, Senhor Kaxambah?

-Por favor, tira o Senhor. É só Kaxambah.

Mas professor, o menino está qualificado, não está?

Notei que ele não perguntava. O Kaxambah estava afirmando que o menino estava qualificado. Estava só confirmando comigo. E falou com um tom de voz tal, que nem de leve me sugeriu a mínima indelicadeza. Não me desconsiderou nem um pouco ao fazer a afirmação, simplesmente estava constatando um fato. Interessante que não havia orgulho nenhum transpirando em Kaxambah , sobre o fato de haver preparado bem o menino.Havia apenas um ar de dever cumprido. Nem isso. Apenas e tão somente uma constatação. A água corre. Simplesmente corre. É um fato. A admiração está em saber que ela corre, e mais, que tem inclinação de correr e que só pára aparentemente. Foi assim que ele me explicou depois, quando tive coragem de lhe perguntar se ele estava orgulhoso do aprendizado do menino, do que o menino aprendera com ele.

- Como orgulhoso, se o que fizemos foi ir os dois aprendendo?

- O quê?

- Que o professor me perdoe... Mas a gente não ensina nada a ninguém. O que a gente faz é ir descobrindo os conhecimentos que estão aí e quem sabe, no mais das vezes, já estão dentro da gente mesma.

- Kaxambah, agora é a minha vez de pedir perdão.

- Que isso, professor? Eu vou mais devagar. É que no início assim de um conviver, tem uns momentos de ir adaptando os sentidos, abrindo uns, fechando os outros, até ajustar na claridade, no calor, no som, no cheiro, no gosto certo. E isto não demora muito, já sabendo que as almas estão de comunicação feita.

- ...!...?

- Que o professor me perdoe. Bem que eu quero ir mais devagar. O professor tem uma alma assim com tanta vontade que eu me esqueço dos sentidos que demoram um pouco mais para se adaptarem.

- Não sei bem, Kaxambah - como eu tinha dificuldade de chamá-lo simplesmente de Kaxambah Fico tonto com toda esta forma de apresentar as idéias. É coisa nova pra mim.

- É isto. Tonteira é porque os sentidos não estão ajustados. Depois, com o conviver, tudo vai ser arrumado. A água espera um pouco, ajunta mais um tantinho e passa por cima do obstáculo, ou se não for de passar por cima, dá volta de lado, mas ela continua o seu rumo, a correr sempre, mesmo que pareça parada. É assim, com o conhecimento, com a alma da gente. Ela tem um destino certo. Sabe para onde vai, como a água sabe. Os sentidos são os que precisam se adaptar. Eles são mais lerdos do que a alma.

- Mas nós estávamos falando da Escola, do ensino.

- É verdade. no aparente é que mudamos de conversa. A conversa toda é a mesma. Pois ninguém ensina a ninguém mesmo. É uma pena alguém achar que está ensinando alguma coisa a alguém. Para começar, a gente é capaz de aprender aquilo que a gente, de um certo modo, já sabia, porque do contrário nem conseguiria nada, nem mesmo prestar atenção.

- Como é mesmo?

- Professor, a gente não pode ensinar o cego a ver cores, se ele já não souber alguma noção, não tiver uma intuição qualquer das cores, algum ponto de contato através do qual possa identificar as cores. E olhe, quando a gente consegue relacionar a cor com o calor que emite, então o cego passa a ver a cor. Ver no sentido de identificar, igualzinho a gente.

- Qual o ponto comum?

- A luz.

- Se é a luz, então o cego...

- Conforme a cor, a luz provoca uma intensidade diferente de calor. Cada cor desprende calor diverso. Então é possível identificar a cor. Assim o cego pode ver. Luz para o cego é calor.

- E o analfabeto?

- Aí é que está. O analfabeto sabe ler e escrever. É só ele parar para descobrir que sabe. E olha que tem gente descobrindo isto e já está demonstrando para as outras pessoas... O que o analfabeto não pode ler e escrever é o que está muito fora do seu mundo. Mas o que faz parte do mundo dele, ora é uma questão de nada.

- É Kaxambah. Acho que vou ter que voltar para a Escola outra vez.

- Que o professor e perdoe, mas não precisa não. O professor já está na escola. O mundo, a vida, é a melhor escola. A gente só tem que viver.

- O senhor não trouxe o seu filho

para a Escola? - Minha dificuldade era mesmo grande de evitar o Senhor.

- Ah! Entendi. O professor quer dizer que precisa de uns diplomas para os outros porém fé que o professor tem conhecimento. Se é isto, muito bem. Então a escola presta mesmo para isto. Agora para conhecer, basta viver e viver intensamente.

- A escola, Kaxambah, é muito importante também...

- Oh! professor, perdão... A escola tem uma importância muito grande. É o maior canteiro que se pode preparar. Todo o tempo e dinheiro gastos com escola, voltam multiplicados. Multiplicados mais de dez vezes. Nada, nada mesmo se compara à escola, ao ensino, no tocante ao retorno, à volta, ao resultado.

- Kaxambah, isto não é gozação... É?

- Não professor. É verdade. A prova é que eu trouxe o meu Rosalvo para a Escola. Ele vai passar todo o ano aqui e vai tirar o seu diploma.

- É por causa do diploma?

- Não. É para ele se disciplinar no modo de viver de todo mundo. É muito pouca gente que agüenta disciplinar-se sozinha. Só as cabeças mais pensantes. Que viver assim no sozinho é para quem tem um pensamento bem mais formado da existência. Os da maioria tem que ficar junto como grupo, com a manada.

- Man...

- Que o professor me perdoe o termo manada. Eu até ia dizendo formigueiro. Mas troquei por manada. A escola, professor, ajuda as pessoas a aprender a conviver, a ficarem juntas, a se compararem umas com as outras. Forceja o egoísmo de cada uma para o viver de uma para a outra. - Ah! ainda bem.

- Tem a questão da liberdade. O difícil mesmo é aprender a viver na liberdade. Ai é que a coisa muda. Para viver na liberdade depende mesmo é de cada um. Parece que a maioria tem medo da liberdade. Prefere a manada, ser conduzida, não gosta de tomar decisão sozinha. É por isso que muitos preferem governos fortes, de comando de força. Não têm que sofrer a dor da decisão, da escolha, do pensar os diversos caminhos...

- Como é mesmo Kaxambah?

- Não falta quem receite governo de força, com desculpa de autoridade para tomar as decisões por todo mundo. Decidir por si mesmo é bem mais difícil, dói. É por isso que Hitlers e Mussolinis chegaram ao ponto em que chegaram. Tomar os destinos nas mãos é dolorido. Mas quando a gente entrega o destino da gente nas mãos dos outros, é pior. Pode desembocar num beco sem saída... Que o professor me perdoe.

Nesta hora vi o semblante do Kachambah - ficar sombrio. Ele me pareceu bastante preocupado, quase deprimido. Fiz alguma ligação com a última guerra mundial. Será que ele teria tido alguma coisa a ver com ela? Seria apenas alguma meditação? Estaria ele preocupado com o destino da humanidade, como um todo? Vi que ele sentiu a minha preocupação.

- Não tem importância não professor.Moço assim, como é, tem uma vida pela frente. Moço precisa é de sol, ar, muito ar. A liberdade é um bem da juventude. É só disso que tenho pena. -

- Kaxambah - nessa altura, ele me parecia já um velho conhecido. Alguém com quem eu convivia há muito tempo - quer dizer que a escola é uma contingência necessária?

- Sem dúvida. Ah! se pudesse fazeras duas coisas...

- Que duas coisas?

- Ajudar o aluno a descobrir o conhecimento e preservar a sua personalidade, a diferença de cada um...

Pareceu-me que o Kaxambah não acreditava muito nessa possibilidade. O seu ar parecia distante, como se estivesse olhando para o futuro. Foi aí justamente que ele veio com a rosa.

- A gente fica pensando longe, mas tem é que pensar no bem perto. Com a roseira também é assim. Por mais rosa que produza, um dia o jardineiro dá uma boa podada nela. Ela é deixada que nem morta. Não demora muito, nascem os brotinhos e lá um belo dia, está ela toda engalanada, cheia de rosas outra vez. É bem assim na roseira da humanidade...

- O Senhor - num momento eu me sentia bem próximo, mas não conseguia me fazer íntimo - gosta muito de rosa?

Ele deu um sorriso. Seus olhos brilharam. Fixou os olhos em mim. Deu uma corrida de olhos nas proximidades da Escola, em todo o terreno em volta, levantou os olhos para o céu, mirou uma nuvem branca que passava lentamente e me segredou com muita sua vida de:

- É que faço parte da fraternidade da rosa.

- Não conheço...

- Conhece. não está sabendo. O homem descobre devagar. Um dia todos os homens vão descobrir. Aí é possível que haja paz.

Chegara a hora do almoço. Nós tinhamos ficado só na conversa. Mais uma vez não quis almoçar comigo e nem deixou o menino almoçar. Avisou-me que ia dar uma volta na redondeza para ver bem o lugar e que, de tarde, voltaria a me procurar. Fiquei com a cabeça inchada com a idéia da fraternidadeda rosa.

Naturalmente, na sua andança, ele iria se preparar para os pequenos particulares.

-o-

"...Eu amo, o sol brilha,

o ar nos envolve,

a água se nos oferece,

o céu nos cobre.

Cada um sorve a porção

que for capaz.

Uns se enebriam,

outros são como se nada disto

existisse.

Depende de cada um.

Descobrindo o amor,

o mundo é outro.

A vida é outra". Kaxambah.

-o-

A vida na Escola passou a tomar um ritmo acelerado. O Rosalvo, além de me ajudar a tomar as lições dos alunos do segundo e terceiro ano, inventou de fazer um jornalzinho mural que toda semana ia para o quadro de avisos. Os alunos que podiam, traziam de casa o possível para uma boa merenda escolar que era compartilhada - com todos. O currículo foi mudado um pouco para sobrar tempo para os trabalhos dahorta escolar e do jardim. Não demorou muito havia também viveiro de mudas. Mudas de árvores frutíferas e de outras qualidades. Dizia o Kaxambah que o homem não pode só desfrutar do que tem, teria que repor, na natureza, a quilo que ele tirava, principalmente as árvores que de moram muito tempo para se desenvolverem. Árvore derubada, é prejuízo para a humanidade toda.

O Salão do Grêmio foi transformado em sala de artesanato. Os alunos, estimulados por Kaxambah, passaram a aproveitar tudo que a região produzia para enriquecer suas vidas. Palhas de milho viraram bonecos de todo tipo, arranjados num certo sentido, representavam cenas e danças típicas da região. Forma de trabalho no campo, tipos e diversões usadas e a criatividade da meninada fora fortemente estimulada.

O Kaxambah, além de coordenar tudo,fazia sua produção extra para levar à cidade e vender, com o que trazia os seus suprimentos. No início, pois, logo arranjou outras formas de aumentar a renda do Grêmio da Escola com a criação de galinhas, porcos, patos, coelhos, perus, abelha e mesmo mudas de flores e plantas ornamentais. Já não precisava ir mais à cidade. Nos fins de semana, pessoas da cidade começaram a vir cada vez em maior número, buscar e encomendar coisas de Kaxambah. Não demorou muito os alunos com mais dificuldades, filhos de peões de fazenda, passaram a ter suas vendas para ajudar em casa. Uma comidinha quente sempre esperava esses alunos quando vinham para a Escola, por artes e arranjos do Kaxambah.

Na Escola tinha um casarão velho que servia de depósito de Ferramentas, paiol e foi lá, em uma de suas dependências que o Kaxambah se instalou com o filho de criação. Fez a própria cama e o colchão. Pintou as paredes, lavou e encerou - literalmente encerou - o chão e, como sempre lidava com plantas, sabia escolher algumas para levar ao seu apartamento - era assim que intitulava as suas acomodações - para perfumar o ar. Realmente um cheiro de incenso pairava sempre ali. Kaxambah fez bancos, uma mesinha e até um guarda- roupas de bambu-de-cana-de-milho cujas portas se abriam como qualquer outro. Dizia que a vantagem de tal mobília era que tinha de ser trocada de vez em quando, por que o material não era assim muito durável. A verdade era que dava gosto ir ao "apartamento" do Kaxambah.

Para as proximidades de seu alojamento, Kaxambah rolou algumas pedras e as dispôs de certo modo a formarem bancos em forma de semi-círculo, numa espécie de anfiteatro ao ar livre e era ali que, em noites claras, cantava e contava "causos" para quem se interessasse em ouví-lo.

Pela primeira vez, o mês de junho assistiu à comemoração de São João, com festa bem organizada, banderinhas, pipocas, batatas doces assadas, quentão, biscoitos, amendoim torrado, servidos em peneiras de taquara e cuias. O barracão fora todo improvisado, coberto de sapé e a madeira fora cuidadosamente escolhida e selecionada de um capão-de-mato de um vizinho, sem que houvesse, como Kaxambah afirmou, violação desproposital àquela importante reserva. O respeito que Kaxambah demonstrava pelo meio natural, era comovente.

Os varjões que anteriormente ficavam abandonados, foram esgotados com drenos, ora abertos, ora canos de bambu encobertos, tudo por orientação do Kaxambah e se transformaram em belos canteiros de hortaliças.

Aproveitando as máquinas que estavam fazendo a estrada de Uberlândia para o trevo de Monte Alegre, o Kaxambah conseguiu que fizessem a limpeza de uma pequena área no cerrado, próximo da Escola e ali, trazendo mudas do Horto Florestal existente perto do Caiapó, fez uma plantação de árvores que denominou mas que, dando ao mesmo o nome de "Bosque Dona Eunice Wea ver", em razão de ter sido ela a criadora do Patronato Escola Rio das Pedras. Cada menino ficou responsável por um número de árvores. Não faltou nem a plantação da tradicional Árvore da Amizade do Rotary Clube que levou para a Fazenda Escola uma linda muda de Pau Brasil. Foi um susto para mim ver o Chico Rivalino chegar com as máquinas para limpar o terreno. Depois foi um encanto ver a criançada compenetrada desempenhar suas funções de guardiãs das mudas que plantaram sob a orientação e incentivo do Kaxambah. Eu não tinha muita experiência com Congadas e no mês de agosto vi a Escola invadida por vários ternos, com gente vestindo roupas de todas as cores e dançando ao som de instrumentos que me pareceram estranhos, como já tivera ficado admirado com o grupo de catira que se apresentara na festa junina. E os bailes freqüentes que o Kaxambah arrumava, em razão da mínima desculpa. Dizia que precisamos comemorar a vida.

Lembro-me da primeira vez que fui levado a participar de um mutirão. Fui avisado que o Nenem da Isaura estava com sua roça atrasada e que os vizinhos tinham combinado passar uma traição nele. E, num sábado de madrugada, lá estava eu a caminho da casa do Nenem da Isaura, pais de um casal de alunos meus, do segundo ano. Kaxambah ia na frente para o fim de sacudir os ramos da beira-do-caminho, evitando que minhas calças ficassem respingadas pelo orvalho acumulado durante a noite, assim ele brincou. Foi uma algazarra a chegada na casa do Nenem. Um susto. As mulheres se a jeitaram na cozinha para as comilanças e os homens, com suas ferramentas foram para a roça. Não fui poupado. Passei um pouco de vergonha no eito com a turma, mas as brincadeiras, durante o dia todo, nem deu muito para levar-me a sentir o tipo de trabalho exposto ao sol. O almoço foi aquela fartura e o jantar mais ainda. A noite foi de festa. Fiquei admirado de ver aquele povo cheio de energia, depois de um dia bem puxado no trabalho, avançar noite adentro, cantando e dançando, ao som de sanfona e do violão. Kaxambah era incansável na dança. De vez em quando pegava o violão e cantava suas modas de viola. Eu podia adivinhar que algumas eram de sua própria autoria.

No domingo tive uma surpresa maior.Na Escola estava o Frei Egídio Parizzi para celebrar uma Missa e a vizinhama estava toda presente. Depois o Kaxambah me explicou que a maioria do povo era Católica e que, então, tinha que haver uma Missa, pelo menos, uma vez por ano, por ali, num respeito a religião da maioria e veio com sua frase costumeira:

- Que o professor me perdoe. Deveras

que Cristão não é só Católico, mas que a maioria era romano e que a Escola estava na jurisdição da Igreja Nossa Senhora de Fátima dos franciscanos, inda bem, que São Francisco era o santo de seu maior respeito, e então, entendeu de convidar o Frei, seu amigo de anos, para aquela desobrigação

Nessas alturas, eu não tinha mesmo que ser ouvido para quase nada. A Escola tinha tomado um caminho em que a voz da comunidade era que prevalecia e, na verdade, tinha até mesmo um conselho comunitário que tomava as decisões depois de consultar a maioria. Sei que havia enriquecimento geral, todos pareciam contentes, um otimismo contagiante tomava conta e à produtividade em todas as áreas era grande. Um ambiente de solidariedade havia sido implantado ali. As diferenças entre os mais ricos e os mais pobres foram diminuídas no que diz respeito ao relacionamento pessoal e todos conviviam com bastante proximidade. Numa das conversas com o Kaxambah, procurei investigar a razão de tudo aquilo e ele me desconversou.

- Professor, o sol nasceu para todos e para incendiar uma montanha basta uma sementinha de carvalho.

- Que tem a semente de carvalho com o incêndio?

- Um dia ela, que irá virar árvore, espalhará sementes para a montanha toda e a montanha cheia de árvores fica sensível ao incêndio.

- Quer dizer que uma idéia pequena vai...

- É isto aí professor. A imagem não é minha. Alguém disse algo parecido. É questão de tempo. A gente é que é muito impaciente, quer as coisas muito no suflagrante. É. Por falar nisto, o professor já soube do casamento da Laurinha?

- Mas ela vai casar-se, não foi um dia desses que ela estava arrasada por - Bom, o Luiz foi quem não entendeu a Laurinha. Não soube receber o amor dela. Quem perdeu foi ele. Ela não perdeu nada. Ela ganhou.

- Ganhou?

- Só podia ter ganhado. Ela descobriu que era capaz de amar e isto é a coisa mais importante do mundo.

- Mas o amor dela não foi correspondido. O Luiz a abandonou e...

- Isto assim no aparente...

- Como?

- Bom - explicou com paciência Kaxambah - Laurinha é uma moça rica de amor. Tem muito amor para dar, para jorrar em sua volta. Luiz encantou- se com isto, mas não permaneceu sob o foco do amor de la. Foi embora. Como o amor estava na Laurinha e não no Luiz, isto não tem e não teve muita importância. Logo o amor dela iluminou outro e este recebeu toda a profusão daquele foco. O resto foi só conseqüência. O costume é o casamento. O casamento já vem aí.

- Mas isto não pode ser também passageiro?

- Que passageiro nada, professor. O

amor é eterno. Descobrir-se amando é viver a eternidade...

- Na eternidade...

- Não, viver a eternidade.

Falou com muita firmeza, com os olhos ligeiramente voltados para o alto como se estivesse buscando memórias longínquas e estivesse prestando homenagem a um ser invisível, ou só visto com os olhos da mente.

- Quer dizer que a eternidade é coisa que começa agora, que se vive aqui e não depois da morte?

- Bem, não é coisa de explicar assim, assim não. É de compreender. De ficar muito em paz quando se compreende. E tudo começa com a descoberta do amor, da lei do amor.

Nesse instante o Kaxambah falava como se estivesse só pensando, como se eu não estivesse ao seu lado. Não parecia sozinho, no entanto. Parecia estar em muito boa companhia.

- Isto do amor ser eterno...

- É eterno. - Kaxambah foi firme, inquestionável - Não fosse eterno, tudo já teria desa parecido. O amor é que dá sustento ao mundo. Sustenta o mundo.

- Deus ...

- Deus é amor.

- Kaxambah - consegui evitar o Senhor - você já leu isto na Bíblia?

- Precisava não. A vida me ensinou. Sou doutorado na escola da vida, na escola do mundo. Vi que todas as pessoas que amam, conhecem a Deus. Quem não ama, quem - não descobre o amor, não conhece a Deus, ou outro nome que se queira atribuir ao Ser supremo.

- E você Kaxambah?

- Não preciso responder. O professor sabe...

Realmente eu sabia. Se havia alguém que amava, era Kaxambah e aí é que me veio a dúvida.

- Kaxambah, mas o seu amor não é muito generalizado? Você não ama assim uma pessoa especificamente, não se dedica, não se entrega a uma só...

- Engana-se. Eu me entrego a cada uma que está bem próxima de mim. Isto é, ofereço o meu amor sem reserva alguma. Só depende de cada uma recebe, ou não, o meu amor.

- ...

- Eu amo, o sol brilha, o ar nos envolve, a água se nos oferece, o céu nos cobre. Cada um sorve a porção que for capaz. Uns se enebriam, outros são como se nada disso existisse. Depende de cada um. O amor não está lá, está aqui, com cada um. Descobrindo o amor,o mundo é outro. A vida é outra.

- Mas Kaxambah, Huberto de Campos comparou o amor a uma flor que logo murcha...

- Ou ele estava errado ou nós não entendemos bem o que ele queria dizer. A flor é o resultado do amor, o efeito do amor e não o amor.

- A rosa não pode ser o símbolo do amor...

- Pode. A beleza da rosa, a suavidade da rosa, o perfume da rosa, a disponibilidade da rosa... É por isso que os poetas tomam-na como símbolo do amor.

- Disponibilidade? E os espinhos,isto não é sinal de defesa, de medo?

- Só à primeira vista.

- A primeira vista?

- Sim, professor. O espinho da rosa é um aviso, não para a defesa da rosa, mas de quem quer alcançar a rosa.

- Aviso?

- Aviso. A rosa está ali, bem ali disponível, oferecendo-se como só ela sabe se oferecer. Ninguém se machucará no espinho da rosa, a não ser que seja indelicado, que seja afoito, que não se prepare para o culto da rosa...

- Não está muito complicado, Kachambah?

- Depende. Se você ama, você vai revestir o alvo de seu amor com toda ternura, com todo carinho, com toda delicadeza e por mais espinhos que ele tem, você vai saber abordá-lo de uma tal maneira que você não vai se machucar nos espinhos dele e ele, nem se lembrará de seus espinhos. E você colherá uma satisfação desmedida. - A rosa, então tem espinho mas não é para se defender.

- Sim, é para se defender. Todos temos nossos espinhos. A vida tem os seus espinhos. Não há nada que não tenha espinho. Se depender de cada um, nenhum irá querer acionar os seus espinhos, a sua defesa. Depende de quem vem se aproximar, da forma como se aproxima, da maneira como envolve. Tudo está na gente, não no outro.

- Mas o espinho é visível.

- Justamente, por visível é que depende da gente. Até a cascavel avisa para que ninguém se aproxime. Recebemos os avisos de todos, de cada um. A gente é que não sabe ler os avisos e fazer a aborda gem certa. Não parte do respeito pelo outro. Já peguei muita cobra e nunca tive um só problema. Não tem diferença da rosa. Uma exige um pouquinho mais de cuidado do que a outra.

- É assim com o homem também? E os maus, os facínoras, os que não respeitam nada?

- Professor - notei que ele queria dizer meu filho, tal o seu tom paternal, a maioria deles é porque foi demasiadamente machucada, raramente sabe distinguir entre os que se aproximam. Eles se tem agredidos constantemente ou completamente. O que vem reforçar a minha certeza.

- Não entendi.

- No momento em que algum dentre eles, descobre que é sua reação que conta, ele até muda a sua maneira de ver as pessoas e o mundo em sua volta. Só os de coração muito duro, os que foram machucados demais é que não conseguem.

- O senhor - estava me sentindo reça - me faz lembrar dos ladrões da cruz...

- É uma boa imagem. A salvação de um foi na hora, exatamente porque compreendeu que o erro estava nele e não no mundo em sua volta. O outro continuou achando que o mundo é que era culpado.

- E Cristo pediu perdão a Deus por todos os que o estavam crucificando... Kaxambah olhou para o alto, suspirou mansamente e com muita ternura disse:

- Ele era da fraternidade da rosa.

Fiquei perplexo.

PARTE 2

De como o ano letivo transcorreu

num piscar de olhos, houve uma

transformação sem precedentes e

o verdadeiro agente negou-se

deliberadamente a assumir

qualquer mérito não importando

a quem fosse atribuido.

-o-

O progresso importante é o do homem.

Quando colocam o homem de lado

para fazer coisas e mais coisas,

sem pensar no homem,

sem respeito algum pelo homem,

homem para o que tudo tinha que ter

importância, há comprometimento com

a sobrevivencia do homem.

Kaxambah.

-o-

O ano letivo chegou ao fim rapidamente. Recebi o aviso que a banca examinadora da Prefeitura visitaria a Escola. Preparei os alunos para o exame e para pequena solenidade. Fiquei sabendo que o Conselho Comunitário resolvera fazer uma exposição dos produtos e dos artigos do artesanato, bem como dos cadernos e produções artísticas dos alunos. Minha primeira reação foi negativa, pois temia alguma coisa. Mas fui suplantado e a exposição foi montada. Os exames ocorreram no meio da semana e a festa foi marcada para o domingo.

Não houve problema algum com os exames. Todos passaram e a banca ficou encantada com o desempenho do Rosalvo. O professor Jerominho Arantes ficou fascinado. Fez uma menção elogiosa a meu respeito.Não me senti bem com a menção. Descobri que o sucesso não era meu, mas fora em razão da estada ali do Kaxambah e de seu filho Rosalvo. E foi me passando pela cabeça o que começara a intuir da presença do Kaxambah ali. Aquele elogio paracia contradizer com o seu princípio de vida de plena satisfação em cada lugar em que se encontrava, vivendo cada momento, tirando dele tudo o que poderia dar, numa vida de total contentamento.No entanto, Sua constante movimentação a mim me dava a impressão de que estava a procura de alguma coisa que ainda não encontrara.Mas ele insistia que tinha encontrado o que queria e vivia feliz e satisfeito com isto. Apenas havia assumido um compromisso e como dizia. O seu emprego exigia que ele não ficasse muito tempo num lugar só, embora:

- Para onde a gente vai, a gente carrega o mundo com a gente. A gente não fica sozinho, não acomete nada de novo, abre a página do livro da vida no lugar e na linha onde tinha parado.

- Mas para que as viagens constantes?

- Por causa da fraternidade da rosa.

- Como assim?

- Cada fraterno tem que ir onde outro fraterno está esperando para a comunhão. Só assim a fraternidade vai ganhando a sua força.

- Quer dizer que o Senhor - decididamente não conseguia deixar de chama -lo de Senhor - logo vai levantar acampamento.

- Não pensei nisto ainda. Estou muito envolvido com tudo isto aqui e o Rosalvo também.

- Por falar nisso, professor - nós estávamos conversando enquanto aguarda vamos a chegada dos examinadores - eu já meditei bastante sobre a Escola ideal para o Rosalvo. Estou pensando mesmo em levar o menino para a Escola Caio Martins, onde o professor estudou. Lá ele pode fazer o mesmo curso normal que o professor fez e ficar muito fácil continuar os estudos dele. Principalmente para que ele possa continuar com as praticas agricolas que é o futuro deste país.

- Uai! mas o Brasil não é um país agricola e o pessoal está querendo industrializa -lo?

- É pena professor. Vão transportar para o Brasil um punhado de mazelas dos paises industrializados, vão inchar as cidades, esvaziar os campos e não duvido que vai chegar até, a faltar alimentos.

- O progresso não é importante?

- O progresso importante é do homem. Quando colocam o homem de lado para fazer coisas e mais coisas, sem pensar no homem, sem respeito algum pelo homem, homem para o que tudo tinha que ter importância, isto não é progresso, é empobrecimento, retrocesso, é atentado contra o homem.

- Mais estradas, mais meios de transportes, mais energia elétrica, tratores para o campo, não é progresso?

- Se feito para o homem. Em prejuízo do homem, não .

- A justificativa,é que é para o homem.

- Não basta. É desculpa.

-...!...?

- A gente tem que perguntar que sacrifício humano isto pode representar. A vida da pessoa e do ambiente onde vivemos tem uma prioridade tal que nada justifica sacrifício algum...

-Então eu não entendo mais nada...

-E muita gente que passa por entendida é mais cega ainda que o professor.

-Cegos...

-Tentando guiar outros cegos. Está no evangelho. O resultado,

sacrifício para todo mundo.

- E as conquistas?

- O homem vai superando os seus desafios e cada superação deve ser conquista de toda a humanidade, como na verdade é, mas tem uns que acham que podem aproveitar as conquistas para si mesmos e a que está a questão . Passam a controlar, a exercer domínio, arranjam desculpas, se perdem e levam os outros a sacrifícios desnecessários.

- Mas a o mundo ficaria a mesma coisa se não fossem esses ambiciosos...

- A água tem um destino. Ninguém impede o destino da água. A alma tem um destino. Ninguém impede o destino da alma.

- Pocha! Então tem aí uma contradição!

- Aparente...

- O Senhor dá a entender de um lado, que as coisas são deterioradas porque alguns intervém de modo impróprio, depois transmite a idéia de que, apesar disso, o mundo segue num sentido certo, já sabido, e que de nada adianta aqueles atrapalhos causados pelos inconseqüentes.

- É mais ou menos isto. A humanidade é muito rica para superar os seus problemas...

- Que dizer que, no final, o Senhor é otimista, acredita numa solução melhor para a humanidade, como se não houvesse o risco da vida se extinguir de vez, e o homem desaparecer como espécie?

- É toda a tradição judaica-cristã.O que falo , está em sintonia com ela.

Ah! E eu fiquei pensando. Este velho sabe, muito mais coisa do que sua aparência demonstra. Será porque ele se esconde atrás deste disfarce? Ele pareceu ler o meu pensamento.

- A gente se situa no tempo e no espaço onde a gente vive e pode desempenhar o papel mais de acordo com a natureza da gente. O que importa,se situar,0 ter consciência deste situar, encontrar o lugar da gente no mundo e viver de acordo com este papel. Depois não tem importância se a gente fica no papel de Marajá ou de um simples barqueiro. A gente se harmonisa com o universo. Encontra Deus, o amor supremo, e vive desse, como esse e para esse amor...

-...!...? Minha impaciência era visível.

- Aprende a amar-se e que ao amar o outro, a gente não está fazendo outra coisa que amar a gente mesma. O outro sou eu também. Eu estou nele e ele está em mim. Como ambos estamos em Deus.

- E a rosa... - Tinha que perguntar. Quis dar um toque para ver se saia o segredo da fraternidade da rosa.

- A rosa - parou, voltou os olhos para cima, concentrou-se, tornou a olhar-me, suspirou de mansinho e ia responder quando chegaram os membros da banca examinadora - disse apenas:

- A rosa, o professor vai saber no devido tempo.

Saiu devagar, como se estivesse proferindo uma oração. Não era a primeira vez que eu o surpreendia sussurando baixo, as vezes quieto num canto,olhando distância. Recentemente tentei refazer aquele pensamento. não sei se consegui.Mas ele me pareceu formulado em forma de poesia como se fosse uma oração.Realmente não sei se consegui traduzir o pensamento do Kaxambah, Mas hoje, para mim é como se o estivesse ouvindo dizer em sussurro:

Senhor!

o infinito

e o homem

enquanto não o detém,

se sente pequeno,

isolado, perplexo,

tenta a posse,

a aquisisão, o domínio,

o poder e tudo

procura manipular

numa ansia infeliz

de escapar de sua realidade.

Ah! Senhor

entretanto

que encanto,

ao compreender

que do infinito

faz parte,

de paz se enche,

tudo lhe sorri,

o sol, os astros,

a terra e tudo

que nela há .

Funde e se confunde

com os outros seres,

se entrega,

e se dá ,

sem estreiteza,

sem pequenez,

sem a posse particular,

e se amplia,

se comunica,

um se sente

com a criação

Então , Senhor,

não distância

espaço, ou objeto,

ele se sente tomado

de excelência e grandeza

revestido de majestade e glória

e se faz e se refaz

no infinito.

Ama, Senhor.

Sim, hoje eu o imagino assim. Naquele tempo não saberia fazê-lo. Não tinha uma visão de conjunto, de um todo, para formular uma idéia assim totalizante. Por isso, o vi saindo devagar, como se estivesse mesmo proferindo uma oração.Da minha parte,fui cuidar dos meus afazeres.

Não transcorrera um ano na minha vida. Ao lado de Kaxambah, eu devia ter vivido séculos, se não milênios. Desde que ele chegara ali, do início ao fim do ano letivo, na verdade, não transcorrera um ano.Mas era um ano letivo. O que fui levado a viver na companhia dele,jogado como fui num roda de novas indagações e estas são as que movem o mundo e não as respostas, não se restringia mesmo a um simples ano letivo. Decididamente que não.

-o-

"Onde está o Espírito do

Senhor, a está a liberdade".

..........

"Só há um Senhor, a Ele

toda honra, toda glória, todo louvor".

Do Caderno do Kaxambah, primeira e última

última página.

No domingo, um pouquinho antes da cerimônia final, o Rosalvo me procurou:

- Professor, tem problema do Senhor me entregar o diploma agora?

- Por que?

- O papai me avisou que não vai estar presente na solenidade e eu queria ficar com ele.

- Ele está doente?

- Não .

- Está amolado com alguma coisa?

- Não .

- Disse que a parte dele toda já foi feita e que já era hora de ganhar o caminho.

- E você, com o está se sentindo?

- Estou um pouco dividido. Tinha me preparado para ficar e até, decorei uma poesia para recitar em homenagem ao inspetor, mas o papai é muito importante.

- Você não vai ficar triste?

- Já aprendi que depende apenas de mim!

- Ele então já ensinou a você que toda reação depende de você, a alegria, a tristeza, o sofrimento, depende de você?

- Não. Ele não me ensinou. Ele me ajudou a descobrir.

Mas eu ainda não tinha descoberto.Cheguei a ficar indignado com o Kaxambah. Havia feito um lano, no qual incluíra uma homenagem ao Kaxambah e me sentia ofendido com aquela atitude dele, já que não era por doença ou outra motivação justificavel. Como tinha tempo, fui até, ao apartamento do Kaxambah .

-Kaxambah, você não acha que foi longe demais - minha indignação me levou a esquecer o Senhor .

- Que o professor me perdoe...

Não lhe dei tempo.

- Neste caso não posso perdoar, desculpar. E pensei que não estava preparado para aquela situação.

- Está certo. Eu vou com o Rosalvo - sua voz não era de subserviência, nem de intimidação. Estava sereno demais para demonstrar qualquer afetação. Não fazia esforço nenhum para encobrir ou disfarçar.

Estava no seu natural. Fique aliviado, em parte.

- Só...

- Só o que? - eu já ia novamente perdendo o pouco de compostura que conquistara.

- Gostaria de pedir um favor e creio que vai ser possível, pois só depende do professor.

- Depende... - Ao responder pude notar que o Kaxambah se colocava numa posição intangível e que sua preocupação era comigo. Ele não queria me ferir de forma alguma. Minha exasperação já era uma forma de ferimento ou quase. Mas ele não queria que eu me ferisse mais. Ou melhor, queria que eu superasse o meu ferimento, e fora eu que causara o ferimento em mim mesmo.

- O que , então ? - voltei a falar.

- Quero pedir ao professor para não mencionar nada, nadinha sobre mim. Quero ficar bem anônimo na cerimônia.

Suspirei, mas não entendi. Ali toda aquela convivência minha com Kaxambah só seria motivo de compreensão ao longo dos anos. Devo estar assimilando aos poucos o que ele tão delicadamente, para ele, mas tão dura e abruptamente para mim, me ajudou a descobrir naquele ano Escolar e, provável que ainda esteja muito longe de assimilar tudo, se é que vou conseguir um dia. O meu mundo, afinal, era inteiramente diferente do mundo dele. Hoje é possível que alguém já identifique em mim muito do Kaxambah.Sei que no momento, me assaltou a idéia de que ele estivesse fugindo, quem sabe fosse um fugitivo da justiça e o fato de aparecer em público, com a imprensa presente, pudesse ser motivo da apreensão. Com isto, na verdade, o que eu estava querendo era proteger o meu alterego, atribuindo a ele algum fato negativo. É sempre assim que acontece. Esopo já havia levantado tal comportamento na fábula da raposa e as uvas. Mas só agora eu sei disso. Amigos versados em assuntos orientais, a quem chequei a contar alguma coisa sobre o Kaxambah, aventaram a hipótese de que ele era um mestre muito adiantado que tinha uma missão especial junto mim. Os versadps em ufulogia não faltou sugerir que fosse até um extra-terreno designado para estar comigo naquele tempo.Os que cultivam o cardecismo. que fora a manisfestação de guia iluminado. Os angiologista, de que meu anjo se fizera visivel para mim e que o Rosalvo na verdade seria a personificação do etagio em que ainda me encontrava. Não posso fazer juízo algum sobre estas considerações, pois que as mesmas não fazem parte de minha formação cultural. Por isso eu as deixo em suspenso para a consideração de cada um. com todo respeito e só as menciono por respeito ao meu estado de perplexidade que ainda me acode neste momento.

A verdade é que eu estava errado quando aquele pensamento que me ocorrera sobre a atitude do Kaxambah,apequenando-o para salvar a minha inferioridade. Era mesmo uma defesa interior minha A serenidade dele não era indício de temor algum. Ele estava descontraído, muito desarmado, sem oferecer resistência alguma. Na medida em que fui observando e pensando assim, eu vi que quem estivera tenso, transtornado, na defensiva, todo o tempo, fora eu. A idéia da rosa me passou rápida pela cabeça, segundo a forma que ele expunha. Ela não nos fere.Nós é que nos ferimos nela.

Depende de nosso jeito de chegarmos até ela. Com tudo isto, fui me serenando. Calei-me e olhei com um sorriso descontraído para Kaxambah e perguntei:

- O Rosalvo pode ir sozinho?

- Depende dele.

- Você vai Rosalvo?

O menino olhou para o pai e olhou para mim. Buscou a reação do pai e buscou a minha reação. Sentiu a serenidade do pai e soube que em relação a ele, estava livre para se decidir, mas apesar de minha iniciada descontração, percebeu que eu estava forçando um pouco a barra, que eu não lhe dava liberdade de escolha.Eu o pressionava. Não lhe dava alternativa. Se eu fosse indagado,no momento, sobre essa atitude minha, eu teria jurado que não estava forçando nada.

Li a perscrutação do menino.Tão novo,mas sabendo prestar atenção nas pessoas, examinando cada uma nos seus mínimos pormenores, num-músculo, na respiração, no movimento da sobrancelha, no brilho dos olhos. Sua demora em dar a resposta para mim foi providencial. Enquanto ele demorava, se é que demorou, senti o cheiro acolhedor do quarto do Kaxambah, vi seu violão sobre a cama bem arrumada, corri os olhos nas mobílias, ouvi passarinhos cantando nas árvores, até uma brisa fresca pareceu alcançar-me. Fui me relaxando. De repente descobri que o importante não era o Rosalvo ou o Kaxambah, ou ambos irem cerimônia e, ela, a cerimônia só tinha uma importância muito relativa. O que estava acontecendo ali é que era importante. Até parecia que o destino do universo estava em jogo ali, bem ali.

Leitor da Bíblia que eu era, ainda não muito decidido quanto ao rumo religioso da minha vida, então, não pude deixar de lembrar-me da posição de Jesus perante Pilatos. Aquele indagando o que era a verdade e Jesus silencioso. Um tentando se equilibrar entre interesses momentâneos conflitantes do poder romano e da altivez judia no tocante ao seu Deus Jeová, dispostos a tudo para não desonrar o que entendiam ser a glória dele. O outro compenetrado do propósito eterno de sua vida. Naquele quadro, realmente, estava esboçado o destino do universo. O próprio destino do universo estava em jogo.As forças naturais com as forças sobrenaturais tinha chegado a um impasse. O pensamento do criador do universo em contraste com o pensamento de seuas criaturas. O efêmero com o permanente. O absoluto com o relativo.Descoberto a importância do momento,falei:

- Rosalvo, tenha liberdade. A escolha é sua.

- Devo ter falado numa voz muito mansa, muito meiga.

Rosalvo riu e sorriu gostoso numa descontração total. Kaxambah sorriu também, um sorriso luminoso.Já não pareciamos três pessoas. Pareciamos uma só. Pensei comigo, a rosa venceu.

Saímos os três para o auditório. Como eu me sentia leve, livre, flutuando no espaço, andando nas núvens...

O jornalista de "O Triângulo",Evandro Péricles Goulart, que também na época, acumulava as funções de Secretário do Prefeito Municipalde Uberlândia, o já mencionado Afrânio Rodrigues da Cunha, disse na sua reportagem que foi uma das melhores solenidades que ele havia presenciado e que Uberlândia havia descoberto uma vocação na minha pessoa e que naturalmente saberia me aproveitar bem.

Refiro-me às palavras do jornalista pelo fato de que, realmente, acabei ficando em Uberlândia, quando chegara a pensar em voltar para Araxá, onde se encontrava minha família. Acabei trazendo toda a minha família para Uberlândia,aqui constituí outra família e daqui exerço o meu agir comunicativo com o mundo, segundo o dizer de Heberman, o filosofo de Frankfurt. Sim me comunico com o mundo...

A verdade é que não fiz referência nenhuma ao Kaxambah na cerimônia. Limitei-me ao meu papel de anfitrião. Fiz um discurso em que relatei a vida da comunidade e comuniquei que não iria continuar na Escola, porque queria continuar os meus estudos e que depois avisaria aos meus amigos mais chegados, o local para onde eu iria. Ao cumprimentar-me, o jornalista e Secretário, me pediu para procurá -lo. Tempos depois, fui à sede de seu jornal,então situado na Avenida Floriano Peixoto sob a direção do jornalista Rafael Miranda de Almeida. Em menos de meia hora o jornalista tinha me arrumado emprego através do Senhor Ciro Avelino Franco, com o Professor Milton e Magalhães Porto, no Liceu de Uberlândia. Minha vida ficou indelevelmente ligada àquele educandário.

Contudo, envolvido com a festa não vi a hora em que o Kaxambah e seu filho evadiram-se, foram embora. Dei falta deles de

Kaxambah e seu filho, quando recebi um recado de alguém:

- O Kaxambah deixou um caderno de anotações para o Senhor,professor e disse que o seu emprego estava a exigir que ele tomasse caminho.

Corri,então, ao apartamento de Kaxambah.Não o alcancei mais. Peguei o caderno. Era bem cuidado e cheiroso. Um cheiro de essências. Não tive coragem de abrir tal caderno. Não tive coragem de lê-lo naguele momento e confesso que não vim a ter coragem alguma de o ler durante muito tempo. Não sei se foi por medo de me decepcionar com o Kaxambah ou se foi temor de me confrontar com as anotações que ele fizera, por não estar, talvez a altura, para assimilá-las. Recolhi o caderno e o guardei.

Confesso que guardei o volume e me esqueci dele. Lá se vão quase trinta anos. Perdão. Lembrei-me do caderno do Kaxambah no dia do enterro do Presidente Tancredo Neves, ou melhor na hora do enterro, no momento final do enterro. No momento não me atinei porquê. Enquanto via com minha esposa as últimas imagens do sepultamento, eu me prometi que logo, logo eu iria procurar o caderno e ver o que o Kaxambah havia escrito.

Eu tinha pela frente uma tarefa muito grande e não queria desviar a minha atenção com os pensamentos deixados por Kaxambah no dito caderno. Ele talvez me prejudicasse no meu trabalho. Estava revisando um material que prometera para a Companhia Editora Nacional sobre a futura constituinte e que acabou sendo publicado por ela com o título de "Constituinte-Assembléia Permanente do Povo", com o que começou a nova coleção lançada por aquela Editora, a Coleção Portas-Abertas. Publicado o livro e publicado também o outro, pela mesma Editora "Eleições Diretas, História Que Não Pode Ter fim", e já pensando em preparar outro sobre o titulo de "Constituinte Processo de Conhecimento da Vontade Nacional",não voltei a pensar no Caderno do Kaxambah.

No inicio do ano seguinte,depois de reunir todo o material para aquele livro"Constituinte Processo de Conhecimento da Vontade Nacional", veio à minha mente o Caderno do Kaxambah e por causa dele é que jamais vim a escrever aquele livro, vindo a passar a escrever outro,"Parlamentarismo, Gestão de Qualidade para o Brasil" com o subtitulo fórmula MI + MC Para a Arrancada Brasisleira Rumo à Civilização do Milênio", ao longo dos anos seguintes, tendo como base a vocação, a vontade nacional que temos tido dificuldade de identificar e assumir, Porém sempre adiando o seu lançamento, talvez por inspiração daquele personagem, na intenção de vir a encontrar o momento certo, não criando conflito, não forcejando, não impondo pensamento algum, senão contribuindo para a descoberta daquilo que realmente importa e que poderá facilitar o navegar no oceano das nações, como no dizer do próprio Kaxambah.´

- As correntes marítimas... como contribuem para uma navegação..

Ah! Eu me lembrei o que me fizera relacionar o Kaxambah e seu Caderno com a parte final do enterro do Presidente Tancredo Neves. Foi a figura do pedreiro João Aureliano, o último a participar daquele ato que comoveu o Brasil inteiro. Exatamente ver, pela televisão, o pedreiro fechando o túmulo. Os gestos comedidos dele, sem dar a mínima aos presente, como se estivesse sozinho naquele ato. Ele, a colher, a massa, o túmulo, deveras me fizeram lembrar do Kaxambah. Foi isso. Não havia exaltação nenhuma naquele rosto, nenhum ar de vaidade, nenhuma apreensão, nenhuma pressa. Havia carinho, nos seus gestos lentos, compassados, sincronizados. A chuva não contava, as pessoas presentes não contavam, os holofotes das televisões não contavam, os minutos escorrendo não contavam, a importância histórica do falecido não contava. Havia alguma coisa para ser feita. Cabia a ele fazê-la. Ele estava ali para fazê-la. Só aquilo importava no seu universo. O seu universo se resumia naquilo, naquele momento, naquela tarefa. Sua alma estava ali, concentrada,enfocando todo o seu amor, bem naquele momento. Seu amor lhe dava toda autoridade, sobrepujava toda outra qualquer autoridade. Sua superioridade ali era intangível inconteste. Sua liberdade ímpar.O mundo começava e terminava ali.

PARTE 3

De como passei muitos anos sem

manusear o Caderno do Kaxambah

e fiquei acometido de tanta

surpresa e perplexidade

que recorro em desabafo, num

compartilhamento com o público

leitor,aspirando algum alívio.

Onde está o Espírito do Senhor,

aí está a liberdade".

Kaxambah

"Só há um Senhor,

a Ele toda honra,

toda glória,todo louvor".

Kaxambah

Sim, foi aí que me lembrei do Kaxambah e de seu caderno e desejei lê-lo. Mas só agora o fiz. Neste ano da Graça de um mil novecentos e oitenta e seis.

Abri o Caderno com muita solenidade, com devoção até. Senti o cheiro do incenso. Visualisei o Kaxambah seu filho Rosalvo. Não questionei por nunca mais ter tido notícias deles.

Sozinho e Deus, abri o Caderno. Li na primeira página:

"Onde está o Espírito do Senhor, aí

está a liberdade".

Assinado, Kaxambah.

Não tinha data ou outra referência alguma. Criei coragem. Suspirei fundo e me preparei para ler o Caderno inteiro. Na terceira página estava o título: "A Fraternidade da Rosa".

Não consegui deixar de pensar que iria conseguir, afinal, o segredo. Ele o deixara para mim. Como não havia referência minha pessoa naquelas primeiras páginas, fui até as últimas, sem correr os olhos pelas páginas interiores. E lá pude ler:

"Só há um Senhor, a Ele toda honra,

toda glória, todo louvor".

Assinado: Kaxambah.

Não tinha data ou referência alguma da mesma forma como nas páginas iniciais. Criei coragem. Suspirei fundo e me preparei para ler o Caderno inteiro. Como já disse, mas fiquei frustrado. Folhei página por página, a princípio devagar, depois sofregamente. Examinei detidamente. Nada. Com muito cuidado coloquei as páginas contra a luz. Nada adiantou. Para mim todas estavam em branco. Pensei que ele pudesse ter escrito de uma forma que desafiasse o uso de tinta especial. Fui ficando frustrado.

Com o tempo eu me recuperei. Lembrei-me da Rosa.

Lembrei-me de que ele e dissera que não era ela que nos feria. Nós , que nos feríamos nela. Talvez fosse o teste que ele me havia deixado, para compreender de uma vez por todas a lição da rosa. Ou, como era o seu método, levar a alguma descoberta.

Fiquei num impasse. Chamei a família.É costume nosso reunir a família em circunstâncias assim, de impasse. Mostrei a todos o Caderno do Kaxambah. Contei a história. Comentei alguma coisa mais e perguntei o que fazer:

Minha esposa disse:

- Vamos orar a respeito.

- Kellen, minha segunda filha, a que mais toma iniciativas a meu respeito,e mais me estimula, aventou:

- Papai, escreve tudo. Será que não foi justamente para tudo ser escrito que ele deixou o Caderno em branco... Alguém vai ajudar se vier a sabero que aconteceu...

Meu filho Kleber, o mais velho de todos e único varão da família,sempre cheio de iniciativas, personalidade própria, senhor de si, sugeriu:

- E se pesquisar sobre a Fraternidade da Rosa?

- Não sei, respondi.

Minha filha Karen, a terceira da família, a que segunda a mãe é a que mais se identifica comigo, interrogou:

- Não será que ele queria foi escrever no seu coração, para sempre?

Todos nos interrogamos atônitos.

Havia o caminho da oração. Foi o que fizemos. Enquanto orávamos, Ariane, a menorzinha, a caçula, sempre curiosa com tudo, furtivamente folheou o Caderno. Antes de abrirmos os olhos, cochichou no ouvido da Karen:

- Tem uns pontinhos vermelhos.

Avisados, pela Karen, da descoberta da pequena, todos examinamos o Caderno. Poderia ser simplemente defeito de impressão,por sugestão do Kleber, concluímos. A reunião familiar ficou naquilo.

Agora,não sei se vai ajudar muito o que tenho a acrescentar.Mas minha obrigação é ser honesto mas não sei se vai ajudar, depois de tudo isto.O que se esperava era que tudo fosse conclusivo, bem conclusivo. Isto não foi possível.

O certo, porém, é que para mim, depois de fazer este relato... Mais,no momento em que decidi fazer este relato, em contar esta história que me é, verdadeira e, agora, mais do que nunca, é realmente verdadeira,fui me inundando de uma atmosfera de paz. Com esta paz que aos poucos está me inundando o ser, vou deixar a pergunta que eu estou me fazendo e neste momento, à moda do Kaxambah:

- Será que o meu emprego - no dizer dele - era este de preencher as páginas em branco do Caderno, ou tentar transmitir aquilo que ficou gravado no meu coração, segundo minhas filhas?

Enquanto meditava sobre a indagação, descuidadamente fui folheando o Caderno, página por página, e fui, sem perceber que o estava fazendo, contando os pontinhos vermelhos descobertos por minha caçulinha...

-...?...!

Decididamente não posso deixar de assinalar o que veio a ocorrer. O relato ficaria incompleto. Aquilo que começara descuidadosamente, num dado momento me despertou. Sim me deu um sacudida inesperada, levando-me a um primoroso cuidado, levado pela curiosidade a que fui despertado..

Contei, sim contei, uma primeira vez e não contente, uma segunda, uma terceira e não sei quantas mais, sou sincero, oh! como sou sincero! E encontrei nada mais, nada menos do que setenta pontinhos vermelhos.

Admirado, com o coração saltando, transpirando, deixei o Caderno, fui dar uma volta. Já era noite alta. Sem que se notasse a presença da lua, a noite estava clara. Caminhei um pouco. Descansei e voltei para o escritório de minha residência. Quando sai, todos já estavam recolhidos. Eu sozinho no silêncio da casa, voltei a contar os pontinhos. Com calma, reconteioutra vez. Exatamente setenta pontinhos vermelhos.

Com a emoção dominada, cautelosamente pude fazer outra observação. Descobri que havia um intervalo de páginas entre um pontinho vermelho e outro. Resolvi contar as páginas intermediárias. Outra surpresa. Descobri que, cada intervalo entre um pontinho vermelho e outro, continha sete páginas sem pontinho algum. Sete páginas brancas entre cada pontinho vermelho e na oitova, um outro pontinho. Era muita ordenação para não ser algo deliberado, querido, premeditado. Então havia setenta pontinhos vermelhos, espaçados de sete em sete páginas. Sem dúvida, havia aí, possivelmente, um propósito. Quem sabe uma chave deixada por Kaxambah. Surgiu outra questão. A questão de decifrar tal chave, se é que era realmente um chave. Ajudaria se fosse possível fazer alguma relação, alguma correlação, alguma conexão. Imaginaão e raciocínio para fazer inferência, não seriam suficientes. Uma teoria, talvez, viesse a ajudar. Sim nada melhor do que uma teoria para ajudar.

Foi assim que me lembrei o que aprendi com Chistian Chen, em seu livro "Os Números na Bíblia" Tomando a visão daquele autor, então haveria uma perfeita consonância numérica em todo o relato. Dado numérico algum bíblico, era despido de propósito. Com ele aprendi também que a operação predominantemente divina, era a multiplicação. Isto está perfeitamente demonstrado na natureza, no código genético e em outros campos de observação já verificados por cientistas diversos. E Chistiam Chen, exemplifica bem a operação de multiplica o aplicando-a na doutrina da Trindade. Segundo ele, a dificuldade de entender tal doutrina está em que geralmente aplicamos a operação de soma, e, em razão disso, chegamos ao número três, ao tomar a reunião das pessoas da Santíssima Trindade. Ao efetuarmos, no entanto, a multiplicação, chegamos a uma solução possível e lógica, pois multiplicando-se um por um e outra vez por um, obtemos o resultado um. Assim, os três um, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, com personalidade própria cada um, manifestando-se isoladamente, cada um , um. Considerados no todo,reunindo-os na sua multiplicidade, temos novamente o UM. A multiplicação explicita, pois, segundo o cientista Cristão, está verdade teológica embase o querer de Jesus Cristo, na Oração Sacerdotal "para que todos sejamos um". Não a soma, mas a multiplicação de todos.

Aplicando, portanto, tal teoria e sabendo que o Kaxambah sabia muito mais do que aparentava ou transmitia, eu me fui fazendo perguntas:

- Será que o segredo da Fraternidade da Rosa, estaria ali naquela conjutação de números, do número sete, como o número setenta?

- Será que aí estaria a Chave?

Setenta e sete... De sete em sete...

Havera aí, uma indicação de multiplicação ?

- Se for realmente multiplicação haveria alguma passagem na vida de Kaxambah presenciada por mim que pudesse ajudar?

É eu me lembrei da surpresa que eu tive quando ele mencionou que Jesus fazia parte da Fraternidade da Rosa.

- Se era assim, haveria alguma passagem Bíblica relacionada com Jesus em que estivesse presente um ou, de preferênca, os dois números?

Rebusquei a memoria. Sim, havia aquela de São Pedro.

- Será que teria alguma ligação com a indagação que ele fizera a Jesus? A questão de quantas vezes perdoar o irmão... Afinal a questão humana básica é a do relacionamento. E a lição da Revolução Francesa, e antes da Indepência Americana, não aponta para tal questão tão fundamental, a fraternidade humana, ainda não aprendida, apreendida, no que ainda estamos num processo, pois, de aprendizado?

- Relação com irmãos, não, relação fraternal?

- Mestre, quantas vezes devo perdoar o meu irmão?

- Sete vezes?

E a resposta do Mestre:

- Setenta vezes sete. (Mat.12.21,22)

Setenta pontinhos vermelhos, de sete em sete...Fica mais uma pergunta:

- Seria este, no conceito de Kaxambah e de sua propalada Fraternidade da Rosa, o caminho do entendimento humano, da Paz?

- Tomar cada um como realmente, cada um é, com o que tem de melhor, tal como a rosa, mas relevar os seus espinhos, em caso, suas diferenças que nos assustam, as quais, para deixar encobrir os nossos sustos,nossos medos, nossa dificuldade de superar o preconceito, portanto, nossa falta de amor, passamos porfiadamente a rotular, a discriminar, a ou racionalizar para inferiorizar, obter o sujeição, como se tal diferença fosse motivo de exclusão?

- Vencer o medo,desarmar os espíritos, é isto? Descobrir o valor do outro,a importância do outro, apesar da diferença...

Com efeito, é muita coincidência ouvir tantas vezes o Kaxambah falar "que o professor me perdoe" e lembrar-me dele naquele momento de angustia da alma nacional, na figura do pedreiro João Aureliano, o mais simples dos brasileiro, sintetizando a participação de todo o povo no drama que envolvia toda a nação, transmitindo ali, naquela hora difícil, com sua colher, no seu trabalho, no seu emprego, uma paz, uma presença serena, carregada de amor.E naquele momento ser levado, como de fato fui levado - não ficaria melhor dizer acometido? Compulsoreamente a manusear o Caderno dele. E no final acabar por fazê-lo no início do Ano Internacional da Paz, assim consagrado pelas Nações Unidas?

Oh! Perdão.Estava me esquecendo. Entre as páginas do Caderno do Kaxambah encontrei a poesia que o Rosalvo declamou naquela cerimônia e na qual não havia prestado atenção alguma.

- Teria sido o recado que Kaxambah queria deixar por despedida?

Pode ter sido.

- ...?...!

Á Dignidade Humana

a.j.c.de Andrade

PAI

senhor!

achaste nos agraciar

com um novo ser

para o nosso enleio

e sob tua proteção

com todos os outros

neste vasto mundo

em anelo conviver.

senhor!

ele é parte de ti

assim como todos

os teus filhos

na face da terra

e, por isso, dignos

de todo respeito

sem distinção alguma

de bandeira ou de raça

pequenos ou grandes

pobres ou ricos

governantes ou governados

bem sucedidos

ou marginalizados

brancos ou de cor

rotos ou bem vestidos

de mesa cheia ou vazia.

senhor!

que este evento

do nascimento

nos faça presente

que em todos eles

há tua divina chama

que vivifica

na liberdade

do vero conhecimento

e se expande radiante

com a aragem

do fraterno amor.

- Sim, pode ter sido o recado final do Kaxambah .

Vim a saber, algum tempo depois em que o relato fora escrito, por indicação do amigo escritor,irmão de fé, Professor Universitário de Direito Antigo, da Universidade de Uberlândia, Mário Paulino,a quem meu filho Kebler, estudando de Direito naquela instituição contara sobre o Kaxambah, que havia uma passagem bíblica no Velho Testamento, a qual possibilitava uma idéia daquele personagem que convivera comigo nos idos de l958, quando eu contava apenas com l8 anos de idade. E a passagem estava no Livro do Profesta Isaias, no Capítulo 52, versículo 7.

"Quão formosos são, sobre os montes,

os pés do que anuncia as boas novas,

que faz ouvir a paz,

que anuncia cousas boas,

que faz ouvir a voz da salvação

e que diz a Sião:

O teu Deus reina!"

É.Seria outra coincidência para mim? Mais um motivo para me deixar encabulado? Para recorrer a quem, porventura, vier a ler este relato, pedindo ajuda, de tal forma que eu possa entender, mais um pouco aquela convivência da minha mocidade? Convivência que jamais se ausentou de minha vida?

É os dois números do capítulo do Livro de Isaias, se somado, dá o número 7 e o versículo do mesmo capitulo é também o número 7, como sete são as notas musicais, sete as cores do arco iris, os dias da semana e ...

Fico mesmo a pensar..

Uma adolescente de treze anos, residente no Rio de Janeiro, a quem seu pai, Professor da Fundação Getúlio Vargas, com quem fiz um Curso de Marketing Japones,aqui mesmo em Uberlândia, e que levara uma cópia do tal relato e o submetera à filha, aluna do Colégio Dom Pedro II, para saber a opinião dela, se a mesma correspondia, também, ao surpreendende encanto com que ele o lera, e que obtida a confirmação, fizera questão de me colocara no telefone com ela, para ouvir emocionado:

- Não deixem rotular o seu livro de infanto juvenil! Obrigado, eu agora tenho um companheiro para toda a vida.

É... um companheiro para toda a vida...

E só agora me disponho - tinha que crescer muito, vencendo várias etapas da vida -, a liberar o livro para divulgação...via Internete,(Nota abaixo) o meio de comunicação que nos aproxima a todos os de boa vontade e que nos possibilita, quem sabe, nos levar ao ideal do Kaxambah, que outro não é o daquela multidão celestial que apareceu com o Anjo da mensagem aos Pastores de Belém,- Evangelho de Lucas 2, 8 a 14, quando do nascimento de Jesus:

"Glória a Deus na alturas,

paz na terra e boa vontade

para com os homens".

- Perdão!

NOTA - A divulgação e possível publicação por editora

que vier a descobrir o potencial mercadológico,o seu alcance em conquistar e encantar um grande público, quiçá de nivel internacional, será, no tocante a direitos autorais, totalmente convertido para instituições sociais, culturais, ambientais,filosóficas ou religiosas, independe da fé ou ideologia que professarem. É o acervo

humano que conta.

É o mínimo de consideração, respeito e coerência para com a figura do Kaxambah.